Editorial

Desde os 11 anos, quando o saudoso Tio Magno me apresentou formalmente ao rock'n roll, eu já ouvia falar da sua morte anunciada. Felizmente o tempo segue contradizendo os boatos e o rock vai sobrevivendo e se solidificando. Continua sendo uma linha mestra para o seu público segmentado, uma mina de ouro a quem o explora de forma inteligente e uma dor de cabeça para quem por ele é criticado. Insiste em ser campeão de rentabilidade em turnês, vendas e downloads. Não cansa de ditar ideologias, comportamentos e movimentos. Apesar de uma expansão cada vez maior de outros sons e tendências, segue solitário na capacidade de criar ideologias, movimentar multidões em prol de um objetivo e fazer a gente se divertir e pensar ao mesmo tempo. Este blog é a minha maneira de agradecer ao rock'n roll pelos arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias a mim proporcionadas até hoje. Aqui podemos discutir o rock de uma forma geral, analisar e debater seus fatos e ícones, seja por lazer ou mesmo como exercício crítico. Interaja! Mande suas postagens e sugestões, passe o blog a quem gosta de rock. Toda participação é bem vinda!! Longa vida ao rock’n roll e bom divertimento a nós todos!!

19 agosto 2009

PINK FLOYD - ANIMALS - DISSECANDO O DISCO

Após dois álbuns de enorme sucesso, transições de uma fase extremamente psicodélica para um rumo mais fundado nas melodias de David Gilmour (Dark Side of the Moon – 1973, e Wish You Were Here – 1975), o Pink Floyd convenceu-se de que poderia voltar a ousar. Assim, em 1977, após cerca de 6 meses no estúdio, lançou o conceitual “Animals”, talvez o mais “Roger Waters” de todos os seus discos.

“Animals”, em linhas gerais, é um álbum absolutamente anti-comercial (apesar disso, vendeu cerca de 12 milhões de cópias). Duas faixas com menos de dois minutos, duas com mais de dez, uma com quase dezoito. Quem o observa de forma desatenta e sem conhecer seu conteúdo pode imaginar que o Floyd estaria voltando ao formato sonoro de “Atom Heart Mother”, o famoso disco da vaca. Entretanto, "Animals" traz uma roupagem completamente diferente de tudo o que eles haviam feito até aquele momento.

O disco todo se fundamenta no livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, mas não se limita a ele. Apesar de algumas sutis doses de sarcasmo, “Animals” é um trabalho sério, no qual o genial Waters expressa sua fúria contra a sociedade capitalista e os que detêm o poder oprimindo injustamente os menos capacitados. Para desenhar esse mundo, o baixista e compositor divide as pessoas em três categorias animalescas, que levam os títulos das faixas dois, três e quatro ("Dogs", "Pigs" e "Sheep").

Para ele, “Pigs” são os quem detém o poder, os políticos inescrupulosos, aqueles que controlam as massas. Waters refere-se a eles como pessoas sem coração, de atitudes falsas para ludibriar as outras classes e manter a aparência de que tudo está bem. Margareth Tatcher, ex-Primeira Ministra inglesa, é citada na música, assim como Mary Whitehouse, famosa moralista e inimiga do Pink Floyd.

Waters conceitua “Dogs” como os burgueses que fazem qualquer coisa para subir na vida e quem sabe um dia tornarem-se “Pigs”. Trechos da música trazem claramente a forma maquiavélica pela qual agem para alcançar seus objetivos sórdidos (“A certain look in the eye, and an easy smile, You have to be trusted, By the people that you lie to, So that when they turn their backs on you ,You'll get the chance to put the knife in…”).
Outra interpretação trataria os “Dogs” como os repressores, aqueles que, pelas ordens de outros ("Pigs"), usam o poder para manter a ordem. Sob esse prisma, “Pigs” e “Dogs” seriam aliados.

Entretanto, creio não ser essa a melhor visão. Primeiramente, o disco deixa claro que os “Dogs” desejam ardentemente tornar-se “Pigs”, e mostram-se inconformados por sua situação de ascendentes. Além disso, na última estrofe de “Sheep” Waters menciona que os “Dogs” teriam sido exterminados (certamente em função da ameaça que poderiam representar ao reinado dos “Pigs"), e que só teriam sobrado "Pigs" (dominantes) e "Sheep" (dominados).

Em outro trecho da música, Waters fala sobre o trágico fim dos “Dogs”: solitários, questionando-se sobre valores morais e morrendo de câncer pelo remorso de seus atos. Curiosamente, mesmo após detonar os caninos, Waters, na segunda parte de “Pigs on the Wing”, refere-se a si mesmo como um “Dog”.

Por fim, o baixista traz ao público “Sheep”. A referência de "ovelhas" é dirigida ao povo, que sem querer e-ou poder pensar, segue fielmente e sem questionamentos os seus líderes. Waters usa termos como “submisso” e “obediente” para referir-se ao povo que se deixa oprimir.

No curso da música, Waters faz menção a atos revolucionários para que as ovelhas deixem de ser um rebanho pacífico (“March cheerfully out of obscurity, Into the dream”), mas em seguida frustra as expectativas das ovelhas, alertando-as para a necessidade de submissão aos porcos, caso queiram sobreviver, já que os próprios “Dogs” teriam sido exterminados por causa de sua inquietude.

Também há explícitas referências ao Salmo 23, em “Sheep”, como uma clara crítica à Igreja e à forma pela qual a religiosidade age para tornar o povo submisso e seguidor de lideranças previamente determinadas.

Em relação a “Pigs on the Wing" (Partes 1 e 2), a primeira e a quinta faixa devem ser avaliadas juntas. Ambas são raríssimas declarações de amor de Waters à sua esposa, Caroline. Roger tenta dizer, em outras palavras, que apenas o amor e a mútua proteção podem protegê-los dos males causados pelos “animais” e pela sociedade como está posta.

Apesar do fundo político-social, e da constante busca das letras em evidenciar as desigualdades e a ganância, “Animals” também tem em sua musicalidade um ponto muito forte.

“Pigs on the Wing” trazem consigo um sutil violão de Guilour e a voz levemente esganiçada de Waters para introduzir e fechar o disco, como se fossem uma casca para o brilhante recheio.

“Dogs”, apesar dos seus dezessete minutos, está longe de ser cansativa. Talvez seja a mais “floydiana” das faixas, pois resume tudo o que a banda fazia em uma só música: a suavidade da performance de Gilmour, as distorções antes da parte final, a inigualável presença do baixo, os brilhantes questionamentos de Waters ao final...

“Pigs” e “Sheep” mantêm uma linha rítmica mais constante. Novamente aqui David Gilmour faz a diferença, na jeito diferente de tocar da primeira ou do frenético ritmo dos solos e riffs da segunda, onde Wright também aparece de forma destacada.

Animals é o melhor disco do Floyd? Creio que não, e acredito que eles fizeram bastante coisa melhor antes e depois da separação de Waters e Gilmour. Entretanto, é um álbum que merece ser ouvido e avaliado. Seu contexto, seu formato, sua musicalidade... Tudo remete à genialidade compositora de Waters (cérebro) e à sublime suavidade melódica de Gilmour (espírito). Eles eram diametralmente opostos, mas andavam juntos e precisavam um do outro, como o dia e a noite, como o Grêmio e o Internacional.

Sem dúvida, discoteca básica para qualquer amante do Rock’n Roll.

Álbum: Animals; Banda: Pink Floyd; Lançamento: 23 de janeiro de 1977; Faixas: Pigs on the Wing (part 1) - 1:25 - Dogs - 17:08 - Pigs (Three Different Ones) - 11:28 - Sheep - 10:20 - Pigs on the Wing (part 2) - 1:25

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