Editorial

Desde os 11 anos, quando o saudoso Tio Magno me apresentou formalmente ao rock'n roll, eu já ouvia falar da sua morte anunciada. Felizmente o tempo segue contradizendo os boatos e o rock vai sobrevivendo e se solidificando. Continua sendo uma linha mestra para o seu público segmentado, uma mina de ouro a quem o explora de forma inteligente e uma dor de cabeça para quem por ele é criticado. Insiste em ser campeão de rentabilidade em turnês, vendas e downloads. Não cansa de ditar ideologias, comportamentos e movimentos. Apesar de uma expansão cada vez maior de outros sons e tendências, segue solitário na capacidade de criar ideologias, movimentar multidões em prol de um objetivo e fazer a gente se divertir e pensar ao mesmo tempo. Este blog é a minha maneira de agradecer ao rock'n roll pelos arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias a mim proporcionadas até hoje. Aqui podemos discutir o rock de uma forma geral, analisar e debater seus fatos e ícones, seja por lazer ou mesmo como exercício crítico. Interaja! Mande suas postagens e sugestões, passe o blog a quem gosta de rock. Toda participação é bem vinda!! Longa vida ao rock’n roll e bom divertimento a nós todos!!

29 março 2011

AC/DC – SINOS ANUNCIAM O RETORNO DE PRETO

Fonte foto: http://www.crabsodyinblue.com/
No mundo do rock não se fala em outra coisa. No dia 10 de maio acontece o lançamento do esperadíssimo DVD “AC/DC Live at River Plate”, gravado nos shows dos caras na Argentina, em 2009. Me enche de felicidade dizer que estava lá e que este foi o mais espetacular momento roqueiro que pude presenciar.

Ao assistir um dos trailers que circulam na internet o arrepio correu minha espinha inteira. Na hora me senti na obrigação de voltar a escrever sobre esses escoceses/australianos que simbolizam o que é o rock’n roll.

“Hell’s Bells” é, na minha modesta opinião, a música mais importante da carreira deles, e “Back in Black” o seu maior disco, por várias circunstâncias. Talvez o desenho do cenário da época de seus lançamentos ajude a entender suas importâncias...

Estamos em 1980, mais precisamente em 19 de fevereiro. Neste dia faleceu Bon Scott, então vocalista do AC/DC, aos 33 anos. Causa da morte: ingestão excessiva de álcool e sufocamento com o próprio vômito. A banda havia acabado a turnê do disco “Highway to Hell” e vivia seu melhor momento.

Bon era um dos líderes da banda, talvez o pilar mais sólido. Era o cara mais experiente na vida e mesmo dentro do rock, o “tio” que trazia os discos para os meninos ouvirem. Sua perda foi descrita como irreparável por Malcom, Angus, Phill e Cliff, que cogitaram até acabar com a banda. Só não o fizeram por insistência dos amigos, em especial do pai de Scott, Sr. Chick, e porque entendiam que Bon iria querer que eles continuassem.

Após cogitar alguns nomes, a maioria conhecidos no cenário australiano, a banda resolveu fazer uma audição com Brian Johnson, na época vocalista da banda inglesa Geordie. Brian era um grande fã do AC/DC e sua “indicação” já havia sido feita aos garotos pelo próprio Bon Scott, que falara coisas legais dele alguns anos antes.

Ao receber a ligação Brian ficou tão pasmo que acabou desligando o telefone, achando ser um trote. Ele estava sem cantar há cinco anos, já que a música não garantia o sustento de sua família. Felizmente Malcolm refez o contato e Johnson marcou seu teste. Cantou “Nutbush City Limits”, de Ike e Tina Turner, e depois “Whole Lotta Rosie” e “Highway to Hell”, duas das canções preferidas de Bon. O fato de Brian ter executado as músicas do seu jeito, sem querer imitar Scott, foi decisivo para um final feliz, anunciado rapidamente, no dia 08 de abril de 1980.

Brian é um grande vocalista, de muito mais feeling do que técnica. Adora whisky e fuma, mas compensa qualquer fragilidade vocal advinda dos vícios cantando com muita paixão em qualquer oportunidade. Um de seus grandes ídolos é o notável Eric Burdon, vocalista do Animals, em quem Johnson se inspirou para ser um cantor de rock.

Menos de um mês depois Brian já se juntava à banda em um estúdio nas Bahamas para a conclusão de “Back in Black”.

E foi nesse contexto de substituição do ídolo, do primeiro álbum após a tragédia e da expectativa dos fãs e de toda a crítica sobre o novo vocalista, que “Back in Black” foi finalizado, em apenas seis semanas.

Antes do lançamento (25 de julho de 1980) a banda estava receosa com a reação das pessoas sobre o trabalho e tudo o que envolvia o álbum. Imaginem o impacto de um disco cuja abertura seria uma música chamada “Hell’s Bells", feita em homenagem ao recém-falecido Bon, cujo último trabalho se chamou “Highway to Hell”.

Na cabeça de muitos poderia soar como “toquem os sinos do inferno para o cara que pegou a estrada pra casa do demônio...”. Completamente insano, certo?

Todavia, os caras bancaram (Angus: “Nós poderíamos ter dito ‘Era isso.’, podíamos ter parado, mas ainda sentíamos que tínhamos algo a terminar”), a gravadora aplaudiu (declarou que o álbum era “magnífico”), a imprensa elogiou (o exigente crítico David Fricke, da Rolling Stone, disse que esse álbum era o primeiro a resgatar a essência do gênero desde o disco Led Zeppelin II, de 1969) e os fãs entraram em êxtase.

O disco preto do AC/DC já superou a marca de 50 milhões de cópias ao redor do mundo. A contagem oficial era de 48 milhões até o início de 2008, e sua média anual de vendas desde o 2000 supera um milhão de unidades. Ainda durante a década de 90 “Back in Black” passou à frente do mítico “Dark Side of The Moon”, do Pink Floyd, na corrida pelo título de álbum roqueiro mais comercializado de todos os tempos.

“Back in Black” é uma obra prima do rock’n roll, talvez um dos seus cinco discos mais importantes, qualificados e influentes. Dele saíram hinos instantâneos como “Hell’s Bells, Back in Black” e “You Shook Me All Night Long”, e faixas preciosas como “Shoot to Thrill” e “Shake a Leg”, para ficarmos apenas em metade de suas músicas.

O disco foi produzido por Robert John "Mutt" Lange, que já havia trabalhado com o AC/DC no excepcional “Highway to Hell”, de 1979. Ele ficou com a banda por mais um álbum (“For Those About to Rock”, de 1981), e depois foi rumando gradativamente para o pop (até Celine Dion e os Backstreet Boys o cara produziu...). Apesar desses pesares, o trabalho dele em “Back in Black” foi impecável, assim como o resultado final.

Brian Johnson, ao falar da qualidade do álbum, comentou: “Estava no avião para casa pensando se o álbum era bom mesmo. Foi um choque quando recebi uma cópia e eu coloquei no meu toca-discos. Eu não acreditava que era eu. Não achei que podia fazer coisas daquele nível."

Dentro de um disco com essa expectativa e desse nível, a tarefa de “Hell’s Bells” era árdua. Abriria o álbum, teria que impactar... Malcolm, então, teve a idéia de iniciá-la com toques de sino, passando uma idéia completamente fúnebre. Essa idéia funesta era realmente a intenção da banda, a fim de homenagear Bon Scott.

Após aprovar o lance do sino a banda pressupôs que o melhor resultado viria da captação do som em uma igreja. Depois de muita pesquisa a escolha recaiu sobre um pesadíssimo modelo “Denison” existente no Monumento Carillon, em Leicestershire/Inglaterra. Apesar de todo o aparato tecnológico montado para a gravação (24 microfones foram usados), o eco do local e o som dos pássaros frustraram a idéia.

Então a banda partiu para o plano “b”. Mandou fazer uma réplica de meia tonelada do “Denison” (que é usada nos shows até hoje) e acabou gravando as badaladas dentro da própria fábrica. Quem deu as marretadas para a captação do som foi o funcionário que produziu a peça. A partir de então, tanto na gravação de estúdio quanto nos shows, “Hell’s Bells” inicia com 13 lentos toques de sino, mesclando o som da banda a partir da quarta badalada.

A base instrumental de Hell’s Bells já havia sido montada por Angus e Malcolm durante a tour de “Highway to Hell”, mas ainda não havia texto. Apesar dos créditos fazerem remissão à co-autoria de Angus Young, Malcolm Young e Brian Johnson, a letra é do vocalista. Rumores de que esta poderia ser de Bon Scott foram oficialmente rechaçados pela banda em 2005.

Brian Johnson nunca foi muito claro sobre sua inspiração para escrever a totalidade da letra. Quase sempre se esquiva do assunto, apesar de admitir que ela foi feita em um curtíssimo espaço de tempo.

Em duas entrevistas, entretanto, Brian vazou alguns detalhes.

Para o canal VH1, revelou que “ao rezar por uma inspiração para escrever a letra, vivenciei uma experiência sobrenatural com relação a Bon”, negando-se a ser mais específico.

Já para a “Q Magazine”, Johnson foi mais aberto: "Eu não acredito em Deus, ou no Céu ou no Inferno, mas algo diferente aconteceu. Não tínhamos TVs nos quartos. Só havia uma grande folha de papel e eu precisava escrever algumas palavras. Eu tinha uma garrafa de Whisky e fui, com goles generosos... Aí eu comecei a escrever e não parei mais. E estava lá: Hell’s Bells. Depois mantive a luz acesa durante toda a noite, cara...” .

A verdade é que existem pouquíssimas referências para investigação do significado real de “Hell’s Bells”. A própria banda evita o assunto, preservando-se de polêmicas a respeito. Eles apenas dizem tratar-se de uma letra comum de rock’n roll.

Procurei interpretá-la dentro de minha percepção e conhecimento sobre a banda, além de fazer uso das evidências que encontrei em minhas pesquisas.

Na minha visão a letra tem duas partes, basicamente, que acabam interligadas dentro de um mesmo contexto.

Os primeiros versos tratam de tempestades, trovões e raios (“Sou um trovão motorizado, vertendo chuva. Estou chegando como um furacão. Meus relâmpagos clareiam pelo céu”). Até aqui não há nada demais... Brian admitiu que as frases referem-se às inúmeras tempestades que eles enfrentaram nas Bahamas. De qualquer forma, a descrição dos fenômenos naturais acabaram por auxiliar a banda no que eles realmente queriam: dão uma idéia de poder e onipotência, perfeitamente entendíveis a partir da seqüência da música.

A partir dos versos seguintes a letra começa a falar em Satã, de sua força e de quão inútil seria resistir ao seu chamado através dos toques dos sinos do inferno.

Mesmo com essas explícitas citações, a canção só é maligna para os fundamentalistas. Muita gente interpreta a letra literalmente e prega haver “glorificação do mal” na música. Todavia, nada de plausível é apresentado para sustentar essa tese. Chega a ser hilário o que li a respeito…

Quem conhece a discografia do AC/DC e entende o humor e a linha mestra das letras dos caras sabe que o AC/DC, em especial Bon Scott, sempre brincou com os temas satânicos. Antes e depois de “Hell’s Bells” existiram outras músicas deles falando do diabo ou do inferno: “Hell Ain’t a Bad Place to Be”, “Highway to Hell”, “C.O.D. (Care Of the Devil)”, “Landslide” e “Hell or High Water”. Todas abordam o andar de baixo e seu anfitrião dentro de um contexto metafórico, provocativo ou debochado.

Angus, por exemplo, declarou ao Los Angeles Times, no alto de seu bom humor: “Durante os anos 70 ficamos quatro anos em tour, sem folga. Um cara perguntou qual era a melhor forma de descrevermos nossas tours. Eu respondi: ‘A Highway to Hell’, que acabamos usando em nosso disco de 79... Não somos satanistas. Posso usar até uma cueca preta de vez em quando, mas é só...”

A letra de Hell’s Bells pretendeu, na verdade, contextualizar a morte de Bon dentro de um cenário de inevitabilidade. A justificativa para a tragédia que o envolveu, nesse contexto, seria uma intimação lá do subsolo, um “convite” que não aceitaria resposta negativa (“Não faço prisioneiros, não poupo vidas. Ninguém vai lutar. Eu tenho meu sino, vou te levar para o inferno...”)

Para o AC/DC pouco importava qual entidade tenha levado Bon. A banda acabou usando o diabo dentro de uma situação que já era comum para eles. É óbvio que a letra jamais iria fazer referência a Deus, tampouco a música poderia se chamar “Heaven’s Bells”, e menos ainda iria fazer parte de um disco chamado “Back in White”. Isso não seria o AC/DC, certo?

Você já ouviu esse disco inteiro e com volume alto? Se não fez, faça agora. Nunca sabemos quando os sinos (do céu ou do inferno, você decide) podem tocar para nós...

Abaixo, grande performance de “Hell’s Bells”. A gravação é em Castle Donington/Inglaterra, no dia 17 de agosto de 1991. Trata-se de um dos maiores shows da história do rock, amplamente recomendado a roqueiros virgens ou experientes. Como eles próprios dizem, levante o volume e “let there be rock”...

Abraços a todos!

4 comentários:

ni disse...

Lembro como se fosse hoje...luzes apagadas e Brian Johnson na ponta da "passarela" quase no meio do Morumbi e lá vai ele correndo, o estádio em silêncio como se estivesse correndo com ele, até parei de respirar, ele pula na corda e acontece a primeira badalada, nesse momento o estádio todo treme, grita, pula, chora...jamais vou esquecer isso.
O AC/DC para mim é uma das maiores representações viva da capacidade que pode chegar a energia canalizada do rock. Eles são uma explosão do rock, sensacional!

Grande postagem Max, parabéns!

rockrevista disse...

Fala Ni!
Valeu pelas palavras e pelo comentário... Realmente foi um dos pontos altos do show. Hell's Bells é mesmo de arrepiar. Eu, particularmente, achei que o Brian não ia conseguir segurar a corda e voaria por cima da bateria...kkkkkkk...
Abraço!!
Max.

Anônimo disse...

E ai Max...
Vou ficar conectado no blog... Quer dizer que vamos estar no DVD do AC/DC?

Grande Abraço
Cris Romagna

rockrevista disse...

Grande Cris!

Olha, cara... Quem sabe... Tinha tante gente conhecida por lá que é capaz de aparecer alguém mesmo... rsrsrsrsrsrs....

Um abração e obrigado pela ilustre presença no blog, meu velho!

Max.