Editorial

Desde os 11 anos, quando o saudoso Tio Magno me apresentou formalmente ao rock'n roll, eu já ouvia falar da sua morte anunciada. Felizmente o tempo segue contradizendo os boatos e o rock vai sobrevivendo e se solidificando. Continua sendo uma linha mestra para o seu público segmentado, uma mina de ouro a quem o explora de forma inteligente e uma dor de cabeça para quem por ele é criticado. Insiste em ser campeão de rentabilidade em turnês, vendas e downloads. Não cansa de ditar ideologias, comportamentos e movimentos. Apesar de uma expansão cada vez maior de outros sons e tendências, segue solitário na capacidade de criar ideologias, movimentar multidões em prol de um objetivo e fazer a gente se divertir e pensar ao mesmo tempo. Este blog é a minha maneira de agradecer ao rock'n roll pelos arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias a mim proporcionadas até hoje. Aqui podemos discutir o rock de uma forma geral, analisar e debater seus fatos e ícones, seja por lazer ou mesmo como exercício crítico. Interaja! Mande suas postagens e sugestões, passe o blog a quem gosta de rock. Toda participação é bem vinda!! Longa vida ao rock’n roll e bom divertimento a nós todos!!

24 outubro 2010

JIMI HENDRIX - LITTLE WING

Autógrafo de Hendrix com uma gíria dos anos 60 para "fique legal".

Muitas canções imortalizaram guitarristas em toda a história do rock. Como não associar “Stairway to Heaven” a Jimmy Page e sua guita de dois braços, ou “Confortably Numb” ao sereno estilo de David Gilmour?

Já afirmar o contrário é bem mais difícil... Poucas foram as músicas que acabaram imortalizadas por vários gênios da guitarra, em diferentes versões. Bem, “Little Wing”, do mágico James Marshal Hendrix, é uma delas.

Como a maioria dos grandes guitarristas, Hendrix foi influenciado por gigantes do blues como B.B.King, Muddy Waters e John Lee Hooker. Contudo, ao contrário dos que se acomodam no sofá da genialidade, ele preferiu inovar e se tornou um verdadeiro desbravador dentro do rock'n blues.

Hendrix foi o pioneiro das distorções, o popularizador do pedal, o papa das improvisações, o rei do feeling. Para Jimi não bastava tocar, era preciso sentir o som, ser ardente em cada nota. Sua relação com a guitarra era espiritual, havia química, intensidade, paixão... Ele não sabia ler nem escrever partituras (isso é sério!), mas e daí? Como o próprio Jimi mencionou em uma entrevista, "tecnicamente não sou um guitarrista; tudo que toco é verdade e emoção."

“Little Wing” é sentimento puro, na letra e na melodia... Hendrix adorava blues lentos porque achava mais fácil colocar emoção nesse tipo de música. Ela foi composta logo após o festival de Monterrey de 1967 (aquele em que Jimi colocou fogo em sua guitarra), e faz parte do excelente álbum “Axis: Bold As Love”. O disco nunca alcançou o sucesso merecido por ter sido lançado no mesmo ano do lendário “Are You Experienced?”, do próprio Hendrix, talvez um dos 10 álbuns mais influentes da história do rock.

Muitos defendem que a letra de “Little Wing” é sobre a atmosfera do Festival de Monterrey: a febre hippie, as drogas e as groopies (garotas que frequentavam os camarins). Além disso, haveria a forte influência de ácido na inspiração compositora de Jimi. O próprio Hendrix, ao falar da música, sempre conduziu a sua origem para esse lado: "você volta para a cidade, para as bebidas e festas e assim por diante, e essas garotas bonitas estão por perto e podem realmente entretê-lo.”

Essa interpretação, apesar de ser a mais cômoda, não me parece a mais verdadeira. Estou ao lado dos que entendem a letra como uma saudosa lembrança de Hendrix à sua mãe, Lucille Jeter.

Os pais de Jimi se separaram quando ele tinha 9 anos. Ele foi criado pelo pai, convivendo com a mãe apenas esporadicamente. Lucille morreu quando Hendrix tinha 16 anos, em virtude de problemas hepáticos causados pela bebida. Jimi havia comprado sua primeira guitarra alguns meses antes e aquele momento acabou sendo decisivo para que ele se jogasse de cabeça no mundo da música.

Jimi nunca escondeu sua frustração pela ausência da mãe, e assim como fez com “Little Wing”, também teria composto “Angel” (lançada em 1971, após sua morte) em homenagem a ela.

Alguns trechos de “Little Wing” dão indícios disso: “andar através das nuvens”, e “pequena asa”, provavelmente façam referência a um ser angelical e querido por Jimi. Além disso, o verso “quanto estou triste, ela vem até mim, com milhares de sorrisos que ela me dá de graça”, pode ser um indicativo dos sonhos que Hendrix admitia ter com a mãe, sempre em uma conotação saudosa. “Little Wing” seria o nome carinhoso do anjo da guarda de Jimi.

Abaixo vai a tradução da letra, para que cada um possa ter sua própria interpretação:

Bem, ela está andando através das nuvens, com uma mente fantasiosa que corre rápido.// Borboletas e zebras e vaga-lumes e contos de fadas, isso é tudo no que ela sempre pensa. Andando com o vento...// Quanto estou triste, ela vem até mim. Com milhares de sorrisos que ela me dá de graça.// Está tudo bem, ela diz, tudo bem. Pegue o que você quiser de mim, pode pegar qualquer coisa, qualquer coisa.// Voe, pequena asa, sim, sim, sim, pequena asa...”

Em relação à parte instrumental, “Little Wing” é uma obra prima de inovação, talento e sensibilidade. Inicia leve como uma pluma e gradativamente vai dando lugar ao vigoroso solo de Jimi, diluindo-se em um encerramento mais suave, como se fora um ciclo.

A veia criativa de Hendrix também contribuiu para tornar esse solo realmente diferente. Além de um conjunto de auto falantes especiais que distorcem o som e fazem subir e descer as ondas sonoras (leslie), na versão de estúdio foi utilizado um glockenspiel (jogo de sinos, em alemão), instrumento percussivo que deu um efeito sonoro único à performance de Jimi.

Por essas e outras Jimi é aclamado por muitos como um dos maiores (senão o maior) guitarristas de todos os tempos. Seus pares no instrumento (quase todos) foram influenciados por ele ou por quem Hendrix influenciou. Quem ouve rock sabe: você pode rodar, rodar, rodar, mas vai acabar sempre caindo em algo que Jimi tenha deixado como legado.

Observem a enorme listagem de músicos que regravaram “Little Wing”: Joe Satriani, Steve Vai, Yngwie Malmsteen, Snowie White, Eric Clapton, Duane Allman, Stevie Ray Vaughan, Carlos Santana, Pearl Jam e Neil Young, entre pelo menos outros 20 nomes de menor relevância.

Na minha visão, três dessas versões se destacam: a performance do G3 impressiona pela virtuosidade de Vai, Satriani e Malmsteen, enquanto a releitura instrumental cheia de técnica de Stevie Ray Vaughan, o fã mais famoso de Hendrix, faz muita gente chorar. Na minha modesta opinião, contudo, a interpretação de Eric Clapton é a mais rica, por todos os elementos que carrega consigo.

Ao contrário dos membros do G3 e de S.R.V., Clapton foi contemporâneo e amigo de Hendrix. Tocaram juntos, beberam juntos, piraram juntos... Além disso, Eric não só foi influenciado por Jimi como também o influenciou; entre eles houve uma relação recíproca de fã/ídolo.

Quando Jimi Hendrix deixou os EUA em busca do sucesso na Inglaterra, sonhava em conhecer Eric Clapton. Após ser apresentado ao “Slow Hand”, Jimi tocou com o Cream em outubro de 1966, deixando a banda simplesmente boquiaberta com sua performance. Após o espetáculo, Hendrix beijou as mãos de Clapton e declarou sua admiração por seu “irmão de alma britânico”.

Clapton considerava Hendrix um gênio da guitarra. Em sua polêmica autobiografia, Eric só elogiou dois artistas sem qualquer restrição: Ray Charles e Hendrix. Sobre Jimi, Clapton disse: "ele tinha um dom imenso e tocava de uma forma fantástica, como alguém que passou o dia todo praticando, mas sem ter visto dessa forma. Era descartável para ele, como se ele não se levasse muito a sério."

Há ainda o caráter emocional por trás da relação de Clapton com “Little Wing”. No mesmo dia em que Clapton, o genial Duane Allman e a banda Derek and The Dominos finalizaram a gravação de “Layla”, os dois guitarristas também registraram uma espetacular versão de “Little Wing”. Pretendiam homenagear Hendrix, admirado por ambos. Todavia, Jimi acabou jamais conhecendo essa releitura, tendo morrido 9 dias após as gravações.

Clapton ficou profundamente abalado com a situação... A partir de então, incluiu “Little Wing” em vários de seus setlists, com performances sempre marcadas pela emoção.

Abaixo está o vídeo de uma delas... Em 2003, Eric Clapton reuniu várias estrelas da música para angariar fundos para seu centro de recuperação de etilistas e toxicômanos, chamado Crossroads. Ao lado do monstruoso saxofonista Dave Sanborn e da esforçada Sheryl Crowl, Clapton protagonizou um dos maiores momentos ao vivo da história do rock, interpretando “Little Wing” com o coração.

Levante bem o volume e veja o vídeo na íntegra. Não sou psicólogo nem nada, mas se no final você não tiver sentido absolutamente nada, esteja certo de que há um grande vazio em sua alma... Abraços a todos!


4 comentários:

- disse...

Maxxx! Muito bom!! De arrepiar... Concordo contigo: a interpretação de Eric é algo!!!
Sei que meus comentários são suspeitos, mas pra mim, tu continuas conseguindo transmitir a emoção da música através das palavras. Me arrepiei lendo... e depois ouvindo. Bjs, Sil.

rockrevista disse...

Oi... Obrigado pelo teu post, Sil... O rock realmente me passa tudo o que tento expressar... Clapton fez algo monstruoso, mas Hendrix deve sempre ser valorizado. Ídolos dos ídolos... Cada vez mais eu me convenço de que devia ter nascido em 1951, em Londres, sabendo tocar baixo... Rsrsrsrsrsrs... Beijos!!

Anônimo disse...

Oi será que voce poderia me adicionar meu blog na sua lista? O meu não tem textos bons como o seu, e nem faz alusao totalmente ao rock, mas sobre musica alternativa em geral, incluindo rock alternativo. To iniciando, ve la se gosta e adiciona, por favor. Obs: adicionarei o seu agora mesmo. O link do meu blog ta ai: http://www.heckmixer.blogspot.com/

Anônimo disse...

"tecnicamente não sou um guitarrista; tudo que toco é verdade e emoção."
... Sensacional! ...
Adorei o texto!!! ;)
... ... ... ... ...
Mell