Editorial

Desde os 11 anos, quando o saudoso Tio Magno me apresentou formalmente ao rock'n roll, eu já ouvia falar da sua morte anunciada. Felizmente o tempo segue contradizendo os boatos e o rock vai sobrevivendo e se solidificando. Continua sendo uma linha mestra para o seu público segmentado, uma mina de ouro a quem o explora de forma inteligente e uma dor de cabeça para quem por ele é criticado. Insiste em ser campeão de rentabilidade em turnês, vendas e downloads. Não cansa de ditar ideologias, comportamentos e movimentos. Apesar de uma expansão cada vez maior de outros sons e tendências, segue solitário na capacidade de criar ideologias, movimentar multidões em prol de um objetivo e fazer a gente se divertir e pensar ao mesmo tempo. Este blog é a minha maneira de agradecer ao rock'n roll pelos arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias a mim proporcionadas até hoje. Aqui podemos discutir o rock de uma forma geral, analisar e debater seus fatos e ícones, seja por lazer ou mesmo como exercício crítico. Interaja! Mande suas postagens e sugestões, passe o blog a quem gosta de rock. Toda participação é bem vinda!! Longa vida ao rock’n roll e bom divertimento a nós todos!!

28 abril 2011

RAMONES – ACID EATERS – O DNA DA BANDA


Adoro quando alguém consagrado grava um cover ou uma versão de uma música alheia. É a oportunidade de provarmos quem são suas influências e de testar sua capacidade criativa. Sempre digo que para você conhecer a certidão de bons antecedentes roqueiros de uma banda basta conhecer os covers que eles fizeram ou fazem.

Após ter lançado dois discos bastante importantes (o imprescindível “Loco Live” e o excelente “Mondo Bizarro”), os fãs esperavam pela direção do próximo trabalho dos Ramones. No último disco as canções tomaram uma linha mais madura e trabalhada. As músicas curtas e rápidas de três acordes subsistiram, mas dividiram espaço com baladas (“Poison Heart”), covers (“Take It As It Comes”), e até mesmo faixas com solos de guitarra (“Cabbies On Crack”).

O grande sucesso comercial de “Mondo Bizarro”, em especial da faixa “Take It As It Comes”, fez com que os Ramones tirassem do armário um projeto de gravar um disco só de covers. Cada um dos membros escolheu canções marcantes do final dos anos 60, mais especificamente lançadas entre 1966 e 1970. Era a época áurea do psicodelismo e do consumo desenfreado de ácido pelos roqueiros, daí a escolha do nome “Acid Eaters” para o álbum.

Os covers nunca foram novidade para os Ramones (e eles são bons nisso...). Na maior parte das vezes em que foram gravados atenderam a um desejo manifesto do vocalista Joey Ramone. “Let’s Dance”, do seu primeiro disco (original de Chris Montez), a belíssima “Needles and Pins” (original dos Searchers), e a clássica “Do You Wanna Dance”, de Bobby Freeman são alguns exemplos.

Essa foi a linha escolhida pela banda para lançar outro álbum inovador em relação a ela mesma.  “Acid Eaters”, décimo terceiro e penúltimo disco estúdio dos Ramones, é um tributo dos Ramones às bandas que os influenciaram nos anos 60 e 70.

"Acid Eaters” foi lançado em dezembro de 1993. É um disco consistente, inovador e enraizado em ótimas influências. As 12 faixas transitam por várias vertentes: surf music, rock psicodélico, folk rock, rock’n roll, garage rock e hard rock. Entretanto, resume-se igualmente a tudo o que os Ramones fizeram até hoje: classic rock.

“Journey To The Center Of Your Mind” abre o disco de forma impactante. Afinal de contas, ela é cantada pelo baixista CJ e está recheada de solos de guitarra, que acompanham os riffs tradicionais. Mesmo com essas “novidades”, traz toda a intensidade e rapidez esperadas. A faixa é original de Amboy Dukes (1968), mas foi o seventista Ted Nugent (ex-guitarrista da própria Amboy) quem a imortalizou.

Em “Substitute”, clássico do The Who, o guitarrista Pete Townshend foi o backing vocal de Joey. A interpretação ficou atraente, apesar de ter faltado à banda um pouquinho de ousadia. Minha impressão é que, por respeito excessivo à Pete e ao próprio The Who, os Ramones preferiram apenas acelerar a canção original.

Em seguida a melhor faixa do disco, na minha opinião. A inesperada baldada “Out Of Time”, dos Stones, ficou à feição para a voz de Joey Ramone. A majestosa variação de graves e agudos e a paixão na deliciosa interpretação do cara fizeram que essa versão superasse a original. Qualquer semelhança com o que aconteceu quando eles regravaram “Needles and Pins” não é mera coincidência...

“The Shape of Things To Come” sintetiza a nova fase dos Ramones. A música é de uma banda chamada Max Frost And The Troopers, fundada no rock e com psicodelia no sangue. São visíveis essas influências múltiplas e o som mais limpo, obviamente sempre sem cortar as raízes de velocidade e simplicidade do punk.

Outro grande momento advindo da psicodelia surge em “Somebody To Love”, canção popularizada pela ótima banda Jefferson Airplane. A atriz pornô Traci Lords participa dos vocais e novamente a batida acelerada da bateria e os vocais de Joey são um show à parte.

“When I Was Young” é mais uma regravação soberba. As músicas do Animals trazem consigo uma atmosfera diferente, um clima nebuloso, que conseguiu ser recriado pelos Ramones. Joey sempre foi mestre em saber cantar com maestria o sujo e o límpido. Essa linda balada traz um ar sombrio e pesado, alicerçada em teclados psicodélicos marcantes. Impecável...

“7 And 7 Is”, da banda Love, é a faixa mais punk rock de todas. Uma martelada atrás da outra. A batida alucinada e velocíssima da batera de Marky rouba a cena. Quando ouço essa música lembro sempre de uma locomotiva que vai descarrilhar por excesso de velocidade.

Uma das grandes surpresas do disco aparece em “My Back Pages”, uma das maiores composições de Bob Dylan, imortalizada pelos Byrds. Os vocais são novamente de CJ, e mais uma vez o ritmo ligeiro, o solo melódico e a pegada punk dão o ar da graça. Elogiar solos em música dos Ramones parece um contra-senso...

Em “Can’t Seem To Make You Mine” a banda tira o pé do acelerador e produz uma faixa sem o brilho das demais. A canção é da banda The Seeds, que muitos consideram ter esboçado os primeiros traços, mesmo que ainda muito tênues, do punk rock. A versão dos Ramones apenas trouxe a interessante original para uma roupagem mais moderna, valendo pela homenagem histórica.

A recuperação dos caras vem logo em seguida, com “Have You Ever Seen The Rain”. Quando ganhei o CD, em 1994, esta foi a primeira faixa que ouvi, por uma mórbida curiosidade: como uma banda punk regravaria uma das mais clássicas baladas do rock’n roll? Óbvio... Acelerando! Novamente temos um speed punk de qualidade, com a brilhante condução da guitarra de Johnny.

“I Can’t Control Myself”, dos Troggs, é outra boa releitura de quem também rascunhou o punk no final dos anos 60. Ao contrário da falta de sal da canção dos Seeds, nesta os Ramones colocaram seu carimbo. Se a música estivesse no Mondo Bizarro, por exemplo, todos pensariam que seria deles.

“Surf City”, que fecha o disco, é um tributo muito mais letrista do que musical. A linha mestra das letras dos Ramones sempre foi a curtição (no sentido mais amplo da palavra), o surf, a praia, as garotas, e a original de Jan and Dean tem tudo a ver com isso. Exatamente como haviam feito com “California Sun”, em um disco anterior, os Ramones conseguiram inventar a “Surf Punk Music” nessas versões...

“Acid Eaters” não é o melhor disco dos Ramones, tampouco o mais vendido, menos ainda o mais importante. Longe disso, até. Não quero e nem posso compará-lo aos indispensáveis “Ramones”, “Rocket To Russia” e “Brain Drain”, por exemplo.

Entretanto, nenhum álbum deles nos mostra melhor de onde vieram e quanto amadureceram como banda ao longo dos anos. Se eu tivesse que indicar um álbum deles para quem conhece pouco sobre os caras, certamente apontaria esse. “Diga-me quem te influencia e eu te direi quem és...”

Abaixo, vídeo de “Have You Ever Seen The Rain”, gravado ao vivo na Argentina em 1996, na última tour mundial dos Ramones. A maior banda punk de todos os tempos estava próxima de finalizar sua brilhante carreira, mas Joey, Johnny, CJ e Marky ainda conseguiam fazer barulho ao vivo como poucos... Gabba Gabba Hey!!

Abraços a todos!

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