Editorial

Desde os 11 anos, quando o saudoso Tio Magno me apresentou formalmente ao rock'n roll, eu já ouvia falar da sua morte anunciada. Felizmente o tempo segue contradizendo os boatos e o rock vai sobrevivendo e se solidificando. Continua sendo uma linha mestra para o seu público segmentado, uma mina de ouro a quem o explora de forma inteligente e uma dor de cabeça para quem por ele é criticado. Insiste em ser campeão de rentabilidade em turnês, vendas e downloads. Não cansa de ditar ideologias, comportamentos e movimentos. Apesar de uma expansão cada vez maior de outros sons e tendências, segue solitário na capacidade de criar ideologias, movimentar multidões em prol de um objetivo e fazer a gente se divertir e pensar ao mesmo tempo. Este blog é a minha maneira de agradecer ao rock'n roll pelos arrepios, suspiros, lágrimas e alegrias a mim proporcionadas até hoje. Aqui podemos discutir o rock de uma forma geral, analisar e debater seus fatos e ícones, seja por lazer ou mesmo como exercício crítico. Interaja! Mande suas postagens e sugestões, passe o blog a quem gosta de rock. Toda participação é bem vinda!! Longa vida ao rock’n roll e bom divertimento a nós todos!!

08 maio 2011

JOHN FOGERTY - REVIEW DE SHOW - 07/05/2011 - BELO HORIZONTE/MG


Em 2006 John Fogerty declarou que uma canção de rock’n roll precisa de quatro elementos para ser marcante: um bom título, um som de qualidade, uma boa melodia e uma grande performance na guitarra.

Durante 116 minutos foi exatamente assim, com uma saraivada de canções marcantes, que John e sua competente banda (Kenny Aronoff – bateria, Hunter Perrin – guitarra, James Intveld – Guitarra, Dave Santos – baixo, e Matt Nolen – teclados) levaram ao êxtase os mais de cinco mil fãs que lotaram o Ginásio Chevrolet Hall, em Belo Horizonte.

A três semanas de fazer 66 anos e em excepcional forma, Fogerty simplesmente estraçalhou. Uma aula de rock’n roll talvez seja a definição mais adequada para o magnífico show do eterno vocalista do Creedence. O melhor do ano e um dos mais empolgantes que tive a oportunidade de assistir.

Pontualmente às 22h as luzes se apagaram e os acordes da tradicional “Hey Tonight” abriram o show. A recepção da platéia foi muito calorosa, realmente acima da média, e foi retribuída por John com uma aditivada versão da sensacional “Green River”.

“Aditivada”, aliás, é uma palavra que dá bons contornos ao show. Se alguns músicos baixam tons para minimizar as mazelas do tempo sobre a performance, John fez questão de cantar e tocar mais rápido, mais alto e com mais tempero. Há alguns meses um crítico musical escreveu algo como “John deve ter um pacto com o diabo para manter a mesma voz e a mesma energia durante quase 50 anos de carreira”.

Em seguida, Fogerty me arrepiou pela primeira vez, lembrando agosto de 1969, quando o Creedence tocou em Woodstock. Citou Janis, Hendrix e seu amigo Carlos Santana e disse que quando voltou para casa, lembrando da chuva e do histórico festival, compôs a música que viria a seguir, a mágica “Who’ll Stop The Rain”. Incomparável...

Outra linda balada, “Lodi”, a country-roqueira “Lookin’ Out My Back Door” e a completamente rocker “Born On The Bayou” deram continuidade ao repertório predominante dos hits do Creedence. O desfile de clássicos era tão grande e emendado de forma tão rápida que sequer dava tempo de respirar.

John foi muito simpático durante todo o show. Deu palhetas à platéia, fez piadas, posou para fotos com o pessoal que estava na cerca e conversou nos intervalos de todas as músicas. O brincalhão chegou ao ponto de colocar um capacete dos Stormtroopers de Guerra nas Estrelas, entregue por uma fã da pista, e andar como um zumbi desorientado.

Na sequência veio “Ramble Tamble”, o mais espetacular momento da noite. A canção é uma das mais virtuosas do Creedence e um dos melhores solos de Fogerty, mas por aquelas circunstâncias inexplicáveis ficou relegada à condição de “b-side”. Os quase sete minutos marcaram um inesquecível duelo entre os solos de John e a pegada do ótimo batera Aronoff, levando a platéia ao delírio.

Em seguida, mais Creedence... As raízes da soul music afloraram na soberba “Midnight Special”, voltando a dar lugar ao country na alegre “Cotton Fields”.

Todas as influências de John ficariam bastante visíveis ao longo da noite. Nos riffs, solos e conduções percebemos de que forma ritmos como o blues, a rockabilly e o rock, e caras como Jerry Lee Lewis, Little Richards, Carl Perkins, Elvis e Roy Orbison, tiveram sua parcela na criação do Creedence.

Só na décima música Fogerty resgatou sua carreira solo, tocando a ótima “Don't You Wish It Was True”. Foi o tempo ideal pra galera respirar um pouco, já que na sequência o rock’n roll clássico voltou com tudo na sempre imperativa “Run Through The Jungle”.

A esplêndida “Long As I Can See The Light” lubrificou os olhos da platéia, amolecendo o coração de todos para “I Heard It Through The Grapevine”. O clássico do soul, transformado em rock’n roll, foi a plataforma de virtuose de toda a banda. Os solos se multiplicaram e a atmosfera do ginásio ficou completamente anos 70...

“Somebody Help Me” retomou o período pós-Creedence e também deixou uma impressão positiva. A música, do disco Revival (2007), apresentou ótimo peso e guitarras afiadas que agradaram a galera camisa preta.

Mais uma canção inesperada veio na sequência, quando a banda começou alguns acordes diferentes, mais roqueiros, mas que traziam na essência uma das minhas músicas favoritas. A arrebatadora balada “Wrote a Song For Everyone” me proporcionou aquele frio na barriga que faltava e me fez lembrar um grande cara, que adoraria estar ali (se é que não estava).

John disse, então, que a próxima música é uma das suas preferidas e que sempre o faz lembrar de seus filhos. Surge o hino “Have You Ever Seen The Rain”, cantado em uníssono pela galera, emendado a uma versão bem rocker de “Pretty Woman”, do inesquecível Roy Orbison.

Quase sem parar inicia a pedrada “Keep On Chooglin’’’, outra pérola obscura do Creedence. Fogerty apresentou uma performance toda particular de guitarra e harmônica, incendiando o público. Para muitos foi o maior momento do show.

“Down On The Corner” passou um pouco despercebida em todo o contexto, mas foi a ponte para que John voltasse a empolgar, desta vez com “Good Golly Miss Molly”, de Little Richard. A música já havia sido gravada pelo Creedence no álbum “Bayou Contry”, em 1969, mas não tão roqueira, agora tocada com três guitarras frenéticas e mais violão e baixo na base.

“Bad Moon Rising” veio a seguir. Uma música simples, sem maiores atributos técnicos, mas cuja batida colocou todo mundo em movimento, dançando, sacudindo a cabeça ou a perna ou mesmo estalando os dedos.

O “encerramento” foi com um dos seus maiores sucessos solo, “The Old Man Down The Road”, de 1985, e com “Fortunate Son”, um dos mais famosos hinos contra a Guerra do Vietnã e definitivamente a música certa para fechar um show.

A volta para o palco foi impecável, também com músicas escolhidas à dedo: “Rockin’ All Over The World”, maior hit de Fogerty, e “Proud Mary”, um dos pilares do Creedence.

Agradecimentos da banda, baquetas e palhetas atiradas à platéia, luzes acesas, música ambiente tocando, um dos roadies desmontando a bateria. Indícios de final de show, certo?

Errado! O público não arredou pé e gritou “Susie Q, Susie Q”, pedindo mais um retorno. Dois minutos depois, quando muita gente procurava as saídas, John retornou e trouxe a banda à tira colo para a imprevista finaleira. No improviso, a banda cochichou, combinou e arrepiou a todos com uma versão irada de “Blue Suede Shoes”. Uma canção do Rei Elvis era realmente tudo o que poderia estar faltando “coroar” a noite.

Set list: Hey Tonight, Green River, Who'll Stop The Rain, Lodi, Lookin' Out My Back Door, Born On The Bayou, Ramble Tamble, Midnight Special, Cotton Fields, Don't You Wish It Was True, Run Trough The Jungle, Long As I Can See The Light, Heard It Through The Grapevine, Somebody Help Me, Wrote a Song For Everyone, Have You Ever Seen The Rain, Pretty Woman, Keep On Chooglin', Down On The Corner, Good Golly Miss Molly, Bad Moon Rising, The Old Man Down The Road, Fortunate Son. Bis 01: Rockin’ All Over The World, Proud Mary. Bis 02: Blue Suede Shoes.

Abaixo vídeo de “Who’ll Stop The Rain”, extraído do esplêndido DVD “Long Road Home”, de 2006. Infelizmente o meu vídeo desta canção ficou com uma qualidade bem abaixo do razoável. A mensagem da canção é que as performances de gênios como The Who, Joe Cocker, Janis, Santana e Hendrix poderiam até “parar a chuva”. Pois bem... Visualizando o belo céu azul desta manhã não tenho a menor dúvida que John e o Creedence conseguiram e estão entre esses ícones imortais.

Abraços a todos!

11 comentários:

Marcos disse...

Sou um CCR maníaco, mas, cá pra nós, a voz do John NUNCA se assemelha aos tempos de CCR.

Se ele fez pacto com o diabo, é por isso que a voz está tão fraca!

Mas fazer o que? Ele é o inesquecível John Fogerty!

Ah, Parabéns pelo post!

ni disse...

Esse show provou que a música de fato pode causa um efeito muito bom no comportamento de uma pessoa, a música realmente faz bem para a alma, essa é a conclusão que tiro desse show.
Se ele fez pacto, se a voz ñ tem a mesma potencia de antes...ñ sei! Só sei que um bom contexto musical, onde abrange bons musicos, experiência de palco,vontade do público, etc, fazem com que o show se torne algo quase que inexplicavel.
Não sou uma CCR maniaca, mas mais uma vez, o post ativou minha vontade de saber mais. Parabéns!

Germano Soraggi. disse...

Conheço todos os discos e sou fã do Creedence desde criança. Acontece que criei expectativa demais para esse show e no fim das contas me decepcionei com a acústica que deixou o som embolado e com a animação de John que achei forçada.

Sem dúvida ele é um fenômeno e suas canções estão entre as maiores de todos os tempos.

rockrevista disse...

Oi Marcos!
Obrigado pelo seu post!
Cara, não dava mesmo pra voz ser exatamente a mesma dos tempos de Creedence (até porque já vão mais de 40 anos), mas me surpreendi como ele, chegando aos 66, ainda esteja em grande forma. Democraticamente discordo dessa parte do seu comentário.
Um grande abraço e seja sempre bem vindo!
Max.

rockrevista disse...

Olá Ni!
Obrigado por seu post!
O rock’n roll realmente tem o poder de satisfazer a alma. Ao menos a minha ele consegue confortar e alegrar. John me saciou um desejo adolescente, me encantou com sua simplicidade e espírito roqueiro. Não tínhamos lá o John de 1970, mas o de 2011 fez o melhor dentro do que podia.
Um grande abraço!
Max.

rockrevista disse...

Olá Germano!
Obrigado pelo seu post!
O John é um cara bastante carismático. Assisti várias entrevistas dele e o bom humor sempre se destacou. Não vi isso de forma forçada, mas respeito sua opinião.
Sobre a acústica, ela realmente não estava tão maravilhosa, mas de onde assisti o show o som estava bom. Talvez algumas limitações do próprio local podem ter influenciado, não sei... Preferi conduzir o post para o show em si, sua importância histórica e roqueira. Afinal, esteve entre nós um ícone do rock’n roll!
Um grande abraço e volte sempre ao blog!
Max.

Anônimo disse...

Oi Max...
Parabéns pelo blo está cada vez mais informativo e mantendo a cultura rock and roll!

Abraços, Aguardo próximos posts!!!

rockrevista disse...

Grande Cris!
Valeu, cara! Palavras de um mestre como você são um puta incentivo! Semana que vem devo postar sobre o Steppenwolf, atendendo a um antigo pedido do amigo James.
Esses dias tava lembrando da “nossa” inesquecível performance em “Surfista Calhorda”... heheheheh...
Abraço, cara!!
Max.

Anônimo disse...

Germano Soraggi: é sinal que está na hora de ir procurar o Centro Auditivo Telex!

Anônimo disse...

Acho correto o John Fogerty não tentar imitar a música exatamente como a música gravada em estudio, que entre aspas nenhum cantor consegue nem deve. assisti a apresentação do credicard Hall de São Paulo no dia 08.05.11 achei o som mais puro e electrizante que o original. A voz achei muito potente apesar dos 65 anos (quase 66), sem contar que sou adepto a todas as bandas dos anos 70 , Led Zeppelin, Black sabath, Deep Purple, etc

rockrevista disse...

Olá Anônimo!
Obrigado por seu post. Foi exatamente o que senti no show. Um rock honesto, sincero, de coração, e com mais gasolina que o CCR. O compromisso dele era somente com a platéia e com o rock'n roll, e ele cumpriu o propósito.
Abraço!
Max.